segunda-feira, 21 de novembro de 2016

CRESCER PARA ADOLESCER (I)




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NOTA PRÉVIA: Os textos des-criptos (I & II) são dedicados a quem acontece nascer...
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            Não é tarefa simples escrever sobre a qualidade do vínculo do bebé à mãe e sobre a entrada na adolescência, nem muito menos tentar fazê-lo ao longo de meia dúzia de parágrafos. Ainda assim, vamos tentar esboçar um conjunto integrado de ideias sobre o assunto, procurando lançar alguma luz sobre esta matéria, cada vez mais candente e problemática, nos dias que correm, fundamentalmente, devido ao crescente alheamento e imaturidade dos progenitores, tendo em conta os seus comportamentos atitudinais eivados de incompetência e irresponsabilidade.

            Nesse sentido, convém recordar, desde já e de forma sintética, que a criança recém-nascida tem absoluta precisão de manter com a mãe um vínculo saudável que lhe permita a gradual aquisição da consciência de si e da unidade do seu corpo, num clima seguro e emocionalmente gratificante, integrando aspectos identitários do self e dos objectos externos, para, assim, ir construindo, paulatinamente, a devida autonomia no seio da família, como viu Melanie Klein. Aliás, esta funcionalidade será modelar para as futuras relações sociais, segundo Freud, Adler, Lorenz, Zimmerman, Bowlby, e outros.

            Este tipo de relação psicodinâmica, que Winnicott designa de holding environment, reforça a afectividade e o conhecimento, e promove a autonomia, e, ainda no dizer de Klein, desenvolve defesas contra a ansiedade persecutória, preparando o bebé saciado e tranquilo para a relação de objecto. Ora, as relações objectais abarcam, não só o universo (consciente) pessoal do sujeito, mas também os seus objectos internos (inconscientes). Neste ponto, Klein alerta para a dependência excessiva da mãe, muito embora o amor desta possa sanar a relação; o mesmo não se pode dizer da fixação do sujeito a uma certa avidez lactente – quando tal acontece –, deformadora do ego e fatal para a estruturação da personalidade (cisões egóicas e desligamento), porque recusa o objecto e procura apenas satisfação.

            Nesta sequência relacional, salientemos as teses de Wilfred Bion – é fulcral a sua visão de toda esta problemática, quando o mesmo refere a interacção continente (mãe)-conteúdo (bebé), através da identificação projectiva (Klein) e da relação dinâmica entre as posições esquizo-paranóide e depressiva (Klein), donde resulta a formação do aparelho para pensar os pensamentos, ou seja, são os pensamentos que produzem a actividade de pensar. Nas relações frustradas e frustrantes pode haver uma perturbação na progressão dos pensamentos ou no estímulo exercido por estes no psiquismo do bebé (aparelho para pensar os pensamentos) ou em ambos os processos.

            Assim, a criança constrói o seu processo identitário e a sua estrutura psíquica, projectando na mãe (rêverie)* as suas angústias, medos e emoções, a seguir “lavados” e introjectados, sendo inerente a este fenómeno um conjunto de reacções somato-psíquicas que envolvem Amor (Love), Ódio (Hate) e Conhecimento (Knowledge) – L; H; K. Não há emoção sem relação, sendo estas relações iniciais que preparam o futuro social das interacções objectais adultas.

            Mas Bion vai mais longe e analisa a relação de per si, apontando a possibilidade de “ataques aos vínculos”, isto é, a mãe pode não conseguir albergar os sentimentos do filho ou, então, pode o bebé, por (H) ódio ou inveja, impedir o papel metabolizador da mãe, frustrando o (K) conhecimento; tanto num caso como no outro está comprometida a relação de (L) amor, a aprendizagem e o desenvolvimento. Estas situações configuram, por um lado, uma identificação projectiva patológica, onde prevalece uma inata baixa tolerância à frustração; segundo Grinberg (1973), ocorrem fantasias omnipotentes (defesas) passíveis de dissociar partes do Eu e dos objectos internos, projectados e controlados na mãe; por outro lado, a identificação projectiva saudável, gera boa tolerância à frustração e padroniza todos os vínculos e relações de empatia, comunicação e compreensão dos afectos projectados... aprendizagem utilíssima pela vida fora.

            Ainda que Freud tenha oposto o princípio do prazer ao da realidade; mesmo que Klein faça depender o desenvolvimento do bebé, da capacidade de amar da mãe; considerando até que Bion  aponta a estagnação mental e a loucura, como resultado das perturbações relacionais verificadas entre a mãe e o bebé, na prática, tudo se resume à sucedida abrangência emocional partilhada, sempre imbuída de afectividade sadia, para que a relação dinâmica possa gerar conhecimento a partir da experiência íntegra vivenciada, isto é, vinculando o sujeito à verdade, ao invés de o lançar nas malhas da dor mental, da angústia, da frustração ansiosa, como quando o bebé destila inveja e voracidade.


            * Rêverie – Sensação gratificante, vivenciada no limiar da vigília e do sono.



Referências bibliográficas:
            Dias, C. A. & Fleming. M. 1998. A Psicanálise em Tempo de Mudança – Contribuições teóricas a partir de Bion. Biblioteca das Ciências do Homem. Edições Afrontamento. Porto.
    Fleming, M. 1993. Adolescência e Autonomia – O desenvolvimento psicológico e a relação com os pais. Biblioteca das Ciências do Homem. Edições Afrontamento. Porto.
            Grinberg, L. (1973). Introdução às ideias de Bion. Imago. Rio de Janeiro.

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