Imagem do Google - Rampa do Liceu |
Às
vezes dou por mim num remanso de saudade, que remonta a vivências irrepetíveis,
em que o filme das memórias adquire colorações mágicas, como se o paraíso
terrestre não fosse mais do que uma ficção tecida entre o fantástico e o
maravilhoso e o efeito que esse limiar opera no âmago das representações
simbólicas que cultivo, sedento de remissão existencial, na busca do “eu” essencial.
Pois bem; no início dos anos
setenta, a cidade de Luanda crescia já a um ritmo alucinante, invadindo áreas
outrora descampadas; a cidade e todo o território, depois de mais de uma década
de esforçada guerra contra a domínio português, pelo que começava já a
beneficiar de um desenvolvimento ímpar, numa tentativa desesperada, levada a
cabo, finalmente, por Portugal, no sentido de mostrar ao mundo que Angola não
era mais um simples e ignorado logradouro, que a aventura da epopeia marítima
anexara. Possuía agora avenidas largas e bem delineadas, às quais o verde
fresco das árvores emprestava uma nota aconchegante de vida. Imensos jardins,
arrumados e limpos, constituíam outras tantas pinceladas de Paraíso. A guerra
estava como que esquecida, no seio daqueles bairros, onde a população recolhia,
à noite, depois de mais um dia de trabalho.
O Bairro de Alvalade, então,
trazia-me gratas recordações: um amigo que aí morava, tinha-me convidado para
sua casa, onde permaneci durante alguns dias: o Sousa fizera sempre de
cicerone, e, mais do que isso, fez-me sentir em casa, em família; foram uns
dias inesquecíveis, que incluiram as águas azuladas da piscina olímpica de
Alvalade; o impagável Woody Allen no cinema esplanada do mesmo nome, ao ar
livre; tardes na praia do Mussulo, no autódromo de Luanda, etc.. Mas Luanda
contava com muitos outros bairros: como o Prenda, Mira-Mar, Vila Alice, Cuca --
também nome da famigerada cerveja fabricada na cidade; os bairros pobres do
Marçal e do Operário; o do Rangel, enfim... Este último era servido pelo
autocarro da linha da Terra Nova que, desde a Mutamba, trazia os passageiros
até aos musseques periféricos. A Mutamba era o centro de convergência da maior
parte das linhas de transportes urbanos e o coração da baixa, por assim dizer.
Dali partiam várias ruas e avenidas, em todas as direcções, repletas de lojas,
cafés e esplanadas. Tinha aqui início, também, a rua de Camões, que subia ao
Largo do Kinaxixe, onde se erguia a imponente e significativa estátua da
heroína portuguesa Maria da Fonte, na actualidade substituída pela da raínha
Ginga.
A elegante e austera torre do Banco
Comercial de Angola – hoje BPC, que Cupertino de Miranda abrira em Luanda,
dominava toda a baixa, a par do hotel Presidente, mas, esteticamente belo, harmónico
e robusto, no seu traçado arquitectonicamente colonial, era o Banco de Angola,
hoje cuidadosamente restaurado, conservado e activo. No lado sul da baía
situava-se outra obra grandiosa, que servia o desporto do país, isto é, o
magnífico Estádio Municipal dos Coqueiros e, na parte alta, a aguardar
inauguração, o moderníssimo estádio azul do Futebol Clube de Luanda. Ah, pois,
e o imenso hipermercado Jumbo, na estrada de Catete, à saída da capital!
-- A praia, era apetecível; o
aeroporto, amplo e funcional; o porto, movimentado e bem equipado. Existia uma
interessante e bem conseguida conjugação entre velhos e modernos edifícios: a
Fortaleza de S. Miguel, que já existia em 1638; a Ermida de Nossa Senhora da
Nazaré, iniciada em 1644; a Igreja do Carmo, a Fortaleza do Penedo, a Fortaleza
de S. Pedro da Barra, a Igreja de Nossa Senhora do Cabo, a Igreja do Sagrado
Coração de Jesus e tantos outros, emprestavam à cidade, fundada em 1575 pelo
navegador português Paulo Dias de Novais, um cunho especial. No início da
década de setenta, o recenseamento da população, só na capital, registou
500.000 habitantes.
Hoje, a avenida marginal foi alvo de
uma requalificação de monta. Quanto ao resto, prefiro guardar intacto o quadro
originalmente puro, por ser autêntico, genuíno e valioso.
Gostei muito desta sua descrição de Luanda antes da independência. Infelizmente agora, dadas as grandes desigualdades existentes é melhor como diz "guardar intacto o quadro originalmente puro, por ser autêntico, genuíno e valioso".
ResponderEliminarUm beijo, meu amigo.