sexta-feira, 12 de junho de 2015

ESBOÇO HISTÓRICO DE LUANDA

   
Imagem do Google - Rampa do Liceu


  Às vezes dou por mim num remanso de saudade, que remonta a vivências irrepetíveis, em que o filme das memórias adquire colorações mágicas, como se o paraíso terrestre não fosse mais do que uma ficção tecida entre o fantástico e o maravilhoso e o efeito que esse limiar opera no âmago das representações simbólicas que cultivo, sedento de remissão existencial, na busca do “eu” essencial.

  Pois bem; no início dos anos setenta, a cidade de Luanda crescia já a um ritmo alucinante, invadindo áreas outrora descampadas; a cidade e todo o território, depois de mais de uma década de esforçada guerra contra a domínio português, pelo que começava já a beneficiar de um desenvolvimento ímpar, numa tentativa desesperada, levada a cabo, finalmente, por Portugal, no sentido de mostrar ao mundo que Angola não era mais um simples e ignorado logradouro, que a aventura da epopeia marítima anexara. Possuía agora avenidas largas e bem delineadas, às quais o verde fresco das árvores emprestava uma nota aconchegante de vida. Imensos jardins, arrumados e limpos, constituíam outras tantas pinceladas de Paraíso. A guerra estava como que esquecida, no seio daqueles bairros, onde a população recolhia, à noite, depois de mais um dia de trabalho.

   O Bairro de Alvalade, então, trazia-me gratas recordações: um amigo que aí morava, tinha-me convidado para sua casa, onde permaneci durante alguns dias: o Sousa fizera sempre de cicerone, e, mais do que isso, fez-me sentir em casa, em família; foram uns dias inesquecíveis, que incluiram as águas azuladas da piscina olímpica de Alvalade; o impagável Woody Allen no cinema esplanada do mesmo nome, ao ar livre; tardes na praia do Mussulo, no autódromo de Luanda, etc.. Mas Luanda contava com muitos outros bairros: como o Prenda, Mira-Mar, Vila Alice, Cuca -- também nome da famigerada cerveja fabricada na cidade; os bairros pobres do Marçal e do Operário; o do Rangel, enfim... Este último era servido pelo autocarro da linha da Terra Nova que, desde a Mutamba, trazia os passageiros até aos musseques periféricos. A Mutamba era o centro de convergência da maior parte das linhas de transportes urbanos e o coração da baixa, por assim dizer. Dali partiam várias ruas e avenidas, em todas as direcções, repletas de lojas, cafés e esplanadas. Tinha aqui início, também, a rua de Camões, que subia ao Largo do Kinaxixe, onde se erguia a imponente e significativa estátua da heroína portuguesa Maria da Fonte, na actualidade substituída pela da raínha Ginga.

   A elegante e austera torre do Banco Comercial de Angola – hoje BPC, que Cupertino de Miranda abrira em Luanda, dominava toda a baixa, a par do hotel Presidente, mas, esteticamente belo, harmónico e robusto, no seu traçado arquitectonicamente colonial, era o Banco de Angola, hoje cuidadosamente restaurado, conservado e activo. No lado sul da baía situava-se outra obra grandiosa, que servia o desporto do país, isto é, o magnífico Estádio Municipal dos Coqueiros e, na parte alta, a aguardar inauguração, o moderníssimo estádio azul do Futebol Clube de Luanda. Ah, pois, e o imenso hipermercado Jumbo, na estrada de Catete, à saída da capital!

 -- A praia, era apetecível; o aeroporto, amplo e funcional; o porto, movimentado e bem equipado. Existia uma interessante e bem conseguida conjugação entre velhos e modernos edifícios: a Fortaleza de S. Miguel, que já existia em 1638; a Ermida de Nossa Senhora da Nazaré, iniciada em 1644; a Igreja do Carmo, a Fortaleza do Penedo, a Fortaleza de S. Pedro da Barra, a Igreja de Nossa Senhora do Cabo, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus e tantos outros, emprestavam à cidade, fundada em 1575 pelo navegador português Paulo Dias de Novais, um cunho especial. No início da década de setenta, o recenseamento da população, só na capital, registou 500.000 habitantes.


    Hoje, a avenida marginal foi alvo de uma requalificação de monta. Quanto ao resto, prefiro guardar intacto o quadro originalmente puro, por ser autêntico, genuíno e valioso. 

1 comentário:

  1. Gostei muito desta sua descrição de Luanda antes da independência. Infelizmente agora, dadas as grandes desigualdades existentes é melhor como diz "guardar intacto o quadro originalmente puro, por ser autêntico, genuíno e valioso".
    Um beijo, meu amigo.

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