sábado, 12 de dezembro de 2020

ROUPA-DE-FRANCESES*


Tu não és como roupa-de-franceses

porque já me pertences sevilhana

depois de teres dito algumas vezes

me gusta la pulsión lusitana


Diz trapos e farrapos dos soezes

sopros da tua boca mariana

fazer prazer sentido todos os meses

nos dias da loucura mais insana


Tu sabes que te quero à queima-roupa

no fogo de te sabre bem despida

pois nos beijos trocados ninguém poupa


Badiana meu anis-estrelado

aroma tão frutado suicida

serás sempre sem ser o outro lado.



Nota: Roupa-de-franceses - coisas que todos julgam poder utilizar sem licença do dono.



* imagem do Google

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

OLHA BEM

 


Olha bem a nudez da Primavera

e a sua certeza decidida

o milagre mágico que supera

o torpor de toda a seiva devida


Das flores perfumadas quem me dera

ter uma só de pétalas despida

ao saber que no sonho prolifera

o germe da palavra colorida


O abismo fatal que se desenha

no fascinante papel abissal

pode ser mais ou menos a resenha


ou falha de jamais vir a ser dito

tudo o que no poema mais letal

se calou para poder ser descrito

 

HISTÓRIAS DA HISTÓRIA

 


NOTAS DE LEITURA

Sobre

ESCREVER NO PÓ

-- Histórias da História --


ESCREVER NO PÓ – Histórias da História é uma publicação dada à estampa em Janeiro de 2020, pelo professor, poeta, blogger e escritor João Bragança-Santos, a qual tivemos já o privilégio de ler. Trata-se de dez Histórias hábil, histórica e literariamente (d)escritas, onde estão bem patentes, não só o seu talento de homem de Letras, mas também o seu profundo conhecimento da matéria em apreço – a História de Portugal.

Como referiu Foucault, a ligação do presente ao passado deve processar-se em modo de integração progressiva, uma vez que o passado (histórico) é O Chão de todos os Sentidos da humanidade do presente. E João Bragança-Santos torna isso muito claro, quer na forma quer na substância como nos integra nos meandros do seu contar, na vivacidade conceptual do sintagma, nas significações com que nos presenteia os tiques patognomónicos dos reis, dos príncipes e das princesas. A História é sempre muito mais o protagonismo dos tiranos do que a ignorada necessidade dos povos.

O desenvolvimento tecnológico faz parte da História dos Homens, e tem servido, inexoravelmente, para sofisticar a dominação das minorias sobre as maiorias – atente-se nas Novas Tecnologias de Comunicação e Informação –, pelo que, esta oportuna publicação de bolso poderá contribuir também para instaurar hiatos no tempo de viciação e dependência das redes-virtuais-ditas-sociais, em todos quantos tenham o rasgo de a adquirir e ler e reler, furtando-se ainda ao pensamento único, pré-formatado do discurso da propaganda-geral-global veiculado pelos media, sejam analógicos ou digitais.

ESCREVER NO PÓ – Histórias da História, de João Bragança-Santos é uma obra notável, a não perder. Pedidos através do processo que o autor entender implementar.


Em 7 de Setembro de 2020


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Humberto Maranduva

 

domingo, 9 de agosto de 2020

VIÇOSO CIO

 



                     Estou farto do pasmo e da tristeza

                     das noites que passo sem aconchego

                     por isso sinto hoje este apego

                     de lograr para mim tanta beleza


                    E na voz do meu ser esta firmeza

                    de saber do teu corpo o meu sossego

                    ou feitiço quem sabe do borrego

                    por queimar no altar da Natureza


                    Na dor teço miragens se não vens

                    para ter do conceito sensações

                    secreta bailarina dos haréns 


                    Nas sedas e cambraias perfumadas    

                    assoma de ternuras e tições  

                    um vigor esboçando madrugadas 



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terça-feira, 4 de agosto de 2020

VIANJANTES DO PENSAMENTO





Somos viajantes do pensamento
sem saber como nos topografar
errando pois de forma circular
sem já pensar em nome do momento

Somos a nudez crua do sarmento
sem querer nem poder onde ficar
mecânico tropismo de gozar
tão vil e melancólico tormento

Desejar já sem alvo definido
mascara tudo quanto não podemos
sequer configurar no mal vivido

de cultivar de vez torpes manias
fazendo jus a ter o que não temos
pelo prazer de tantas disforias


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sexta-feira, 24 de julho de 2020

SÓROR SAUDADE





Agora recordar Sóror Saudade
no mapa cor-de-rosa do destino
     não despe das imagens sem idade
 o rigor das fracturas que confino

                              E falava Flor-Bela da verdade
                              de sofrer esquecida sem atino
                              sozinha sem prover alteridade
                              orgulhosa do nada mais divino

                              Não me cantes das grades da janela
                              estranha diferença que me cinge
                              se sabes não haver coisa mais bela

                              do que ter o sinal tão sem limites
                              de que nenhuma força te restringe
                              na matriz das palavras sem rebites


*Sóror Saudade – A poetisa Flor-Bela Espanca (1894-1930) é a autora da obra, “O Livro de Sóror Saudade”, publicada em 1923.


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sábado, 18 de julho de 2020

SÊ COMO AS AVES





  Se não somos árvores nem arbustos
                            por que razão nos dizes ter raízes
                            não vês as aves sempre tão felizes
                            voando livres soltas e sem sustos?

                            Ei-las em novos ninhos mais robustos
                            nos ventos lúdicos e nos matizes
                            do tempo sem que tracem directrizes
                            nos céus de luz alegres e vetustos

                            E se viver é torcer o destino
                            abre as asas libertas de cadeias
                            na fuga do fado mais assassino
                      
                            e podes bem verter em plenitude
                            para agarrar o Norte já sem peias
                            as pulsões desusadas de virtude

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segunda-feira, 13 de julho de 2020

UM GRITO SURDO DE PANDEMIA




 Bruscos leves os gritos suturados
                              pela febril placidez dos caminhos
                              escancaram medos inacabados
                              afectos sem pontes nem pergaminhos

                              Furtam-se agonizantes e cansados
                              colhidos no torpor de passarinhos
                              não voam mas marcham como soldados
                              para lá das trincheiras de seus ninhos

                              Na volta da tal estrada pandémica
                              só pula desordeira a propaganda
     Céus e Terra fervilham de polémica

                              patética censura desvairada
                              selecção delirante e sem demanda
                              omissão já sem tempo já sem nada


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domingo, 5 de julho de 2020

O INCESTO MAIS INSÓLITO

     


     No dia 3 de Julho de 2020, nos canais televisivos da nossa rectangularidade europeia, veio a lume a notícia de teor espectacular, especular, escandaloso, demencial, do incesto perpetrado, a meio da noite, por um sujeito alcoolizado, na pessoa de sua mãe, de sessenta e tais anos de idade, tendo o acto configurado, alegadamente, a violação consumada. Só devido a este aspecto particular, o filho terá de responder perante a Lei, uma vez que o incesto consensual (+ 18 anos) não constitui um ilícito criminal, de acordo com a lei portuguesa, de resto, como acontece na Natureza.

    Segundo os entendidos na matéria, trata-se de uma ligação entre familiares, de cariz sexual, mais vulgar do que seria de esperar, sendo, aquela a que se alude no primeiro parágrafo do texto, a de mais rara concretização, tal como ocorreu entre Édipo e Jocasta, na tragédia Édipo Rei, de Sófocles. Não tão raro mas, ainda assim invulgar é o incesto praticado por irmãos, e aqui recordamos o amor de CarlOS da MAIA(S) e Maria Eduarda, (re)criado por Eça de Queirós. Já o mais usual – releiam o conto A Princesa Pele-de-Burro –, mesmo que, aqui e ali movido de forma inconsciente, condensada, avessa, compulsiva e mórbida, é o incesto entre o pai frouxo, imaturo e a filha que é levada, a contra-gosto, a ocupar o lugar da mãe, como acontece no romance de M. Bragança dos Santos, “As Cores da Alma”, com as personagens Marcelo e Agripina.

   Contudo, no caso dos irmãos, acontecem, por norma, as   curiosidades sexuais-pré-genitais, os esboços lúdicos (passageiros) de reciprocidade proto-erótica, não devendo estes descambar em viciação-fixação. Estas manifestações de sexualidade pré-pubertária, com a idade, evoluem, rapidamente, depois das pulsões parciais infantis terem dado lugar à genitalidade normal, definitivamente configurada, maturada, no âmbito da relação objectal, onde tem de prevalecer a sensualidade, que o desejo sonda, fora do corpo do próprio.


   Caso contrário, se, no devir cronológico da adolescência, o sujeito mantiver uma fixação às pulsões parciais, manter-se-á estagnado, sem resolução edipiana nem ganhos super-egóicos, no domínio da perversão auto-erótica, na pré-genitalidade, não sendo capaz de crescer afectiva e emocionalmente, não conseguindo nunca lidar com o real do sexo, nem com os outros. Assim, comprometerá a sua identidade, individuação, afirmação, autonomia, inserção e pertença. Conforme Lacan afirmou nos primeiros anos de 1960, o sujeito deve, a um tempo, sentir a necessidade de inclusão e separação, para ser quem é; não permitindo que o ego seja joguete das exigências do id ou das cedências do superego; furtando-se a cavar a infelicidade daqueles com quem se relaciona doentiamente, como no incesto noticiado no dia 03 de Julho de 2020.

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segunda-feira, 29 de junho de 2020

A COEXISTÊNCIA PACÍFICA






      O ser humano – qualquer ser humano – tem necessidade absoluta de sentir que vive uma existência pautada pela autenticidade, a saber, quando esta diz respeito ao próprio, sem desvios nem distorções, e, portanto, eivada de verdade e sinceridade autoral. Contudo, o quadro não estaria completo se, por acaso, faltasse uma outra componente indispensável ao comportamento humano saudável: trata-se da espontaneidade – qualidade que leva o sujeito a agir de forma natural e voluntária, isto é, de moto-próprio, em função dos seus interesses pessoais, mas sem prejuízo de ninguém. Por último, e para que a vida não deixe nunca de fazer sentido, importa que o indivíduo – que é um ser social – saiba assumir o seu papel criativo face aos demais, privilegiando atitudes, interacções, idiomatizações construtivas, edificantes, convenientemente diferenciadas e originais, sempre que se lhe deparem situações novas no devir do quotidiano.

            Não obstante tudo isto, é precisamente no dia-a-dia das comunidades que mais se constatam atropelos à liberdade do outro, devido à complexa teia de interesses em confronto, à total ignorância de referências éticas e morais, à recusa de reflexão sobre a realidade histórico-filosófica que constitui o entorno onde se plasmam tais sistemas de intersubjectividade relacional. Ora, a percepção que temos do outro é-nos dada não só pelas sensações imediatas, mas também pelo capital de aprendizagem que vamos acumulando ao longo da existência, sabendo ser e estar através dum constructo com referências atinentes ao espaço e ao tempo, onde caiba o sujeito (soma e espírito), capaz de se afirmar livremente, sem prescindir da legitimidade do seu próprio projecto de vida.

            Contra tudo e contra todos, cada vez mais difícil tem sido suportar os cantos de sereia que vão ecoando por todo o lado, a torto e a direito, sem dó nem piedade, e que vão transtornando as cabecinhas de quem dá mais importância  à alienação digital e às dependências várias, em detrimento dos livros, da leitura, da Escola – isso, com “E” maiúsculo –, do desporto, recorrente e racional quanto baste para ser salutar, das conversas mental e afectivamente revitalizadores, claro, frente-a frente, face-a-face (vade retro, on-line), dos serões em família, para que os filhos possam ser merecidos e saibam aprender a merecer os pais.

            Claro, tudo isto tem a ver com as relações humanas, mas não caiam no absurdo e no ridículo de esgrimirem lutas balofas, espectacularmente decadentes, esquizofrénicas, onde tudo se confunde para melhor confundir os incautos, utilizando a lixiviação da palavra escrita, banindo-a, simplesmente, abastardando-a, mutilando-a ou negando-lhe a sua própria história, a sua etimologia, como se tudo fosse à vontade do freguês bacoco e ignorantão. Sim, a referência é, também, àquela empresa francesa que deixou de escrever nos seus produtos de limpeza a palavra “branquear”, para não ser vista como racista (?!!!). Acham que deva eliminar a palavra “claro”, no início deste parágrafo?!


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domingo, 21 de junho de 2020

ESTAÇÃO COVID-19


             
                                             

             Num momento tão sensível e ambíguo como o actual (1.ª metade de 2020), em que um vírus invisível (novo Corona-Vírus) ameaça a sobrevivência da espécie humana, a nível planetário, não pode haver lugar ao desdobramento das subjectividades tão típicas da diversidade conceptual cultivada pelos indivíduos ou grupos; às suas idealizações narcisistas, egocêntricas ou auto-eróticas; às interpretações divergentes; ao individualismo; às acções isoladas; ao erguer patético de uma Babel dessignificada.

            O novo Corona-Vírus não é um ser vivo, mas se lhe for facilitado um ambiente propício, leia-se as vias respiratórias dos seres humanos, aquele poderá potenciar uma forma de vida rudimentar, parasitária, algo no limiar da molécula e da vida, mantendo-se incapaz, contudo, de pertencer a qualquer estrutura biológica, pois não transformará nunca a energia autonomamente, ceifando, portanto, as vidas dos incautos hospedeiros.

            Nesta conformidade, se o valor da vida humana não for tido em conta como o primeiro e o mais importante, então, toda a saga civilizacional, ainda que considerando todas as suas oscilações mais ou menos demenciais, terá chegado ao seu ponto de oclusão. No âmbito realista da interpretação do mundo, tal como ele se nos apresenta, devemos tentar compreender, aceitar, apoiar e validar o esforço hercúleo da ciência médica e social, no sentido da tentativa de percepção, interiorização, harmonização, correcção e inversão deste surpreendente ataque à manutenção da vida.

            Sob o ponto de vista da investigação teórica e da sua consequente metodologia programática e pragmática, o paradigma deve assentar na arquitectura da racionalidade científica, através da convalidação do empirismo evolutivo (método científico), isto é, sempre ancorado em resultados práticos verificáveis. Estes, contudo, devem afirmar-se por meio de modelos analíticos qualitativa e quantitativamente aceites, capazes de satisfazer os valores da vida social saudável e as necessidades legítimas do colectivo.

           Neste quadro, têm de ficar fora de questão os conflitos sociais, a subjectividade particular ou grupal, a ambição, a ganância e as tensões de poder, para que seja possível a ordem, a uniformização dos valores fundamentais (universais) e a reposição das condições de manutenção da vida. Sendo assim, o foco é apenas um, precisamente porque tanto serve ao indivíduo em particular como à sociedade em geral.

            Como escreveu Emmanuel Lévinas (1980), estamos primordialmente vinculados ao outro, mesmo que essa experiência tenha ocorrido para uma consciência pré-reflexiva. O vínculo ao outro é estrutural e estruturante para o sujeito; matar o outro é cometer suicídio. Continua, afinal, a estar tudo nas mãos do Homem!


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sexta-feira, 13 de março de 2020

TU NÃO SABES QUEM SOU




                   Tu não sabes quem sou nessa tal hora
                    nem quem és sabes ser devastação
                    se vir a ser soubesses só por ora
                    não serias de mim por pro-cisão

                    Quem sabe se na vida se deplora
                    a queda na difusa prolação
                    ou se se teme ser pela demora
                    outorgando verdades que não são

                    Estranha diversidade de ser
                    o Outro que também nos constitui
                    no pasmo que refuto por saber

                    projectar a recusa que reflui
                    na sombra especular de suster
                    o pouco mais ou menos que se intui

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domingo, 8 de março de 2020

UM ESBOÇO DE PAIXÕES


    (...) o seminarista Maurício, de novo em férias, dirigiu-se à Fonte e Lavadouro do Olho D´Água, para abraçar a mãe e a madrinha Juliana e a prima Rosália, e cumprimentar, timidamente, as restantes mulheres, naquele espaço mágico onde a água brota da Terra para vivificar as almas e os corpos, e as raparigas se orgulham das suas bilhas redondas, virtualmente capazes de matar a sede ao mais sequioso desejo (...)
    (...) -- Hoje precisas de descansar
    hoje sim, mas para o dia seguinte, Maurício ficava já convidado pela madrinha para almoçar em casa desta, no Lugar do Caneiro, onde não havia lugar a rejeições, nem a distanciamentos, nem a defesas egóicas, porque o espaço era aquecido pela consistência dos suportes identitários, que se estribam nos afectos estruturados pelos objectos reganhados, que atenuam a fragmentação do Self e acautelam a deterioração da ferida narcísica
    -- Vamos almoçar no alpendre
    com o Sol a aquecer os corações, a mesa foi posta debaixo daquela cobertura típica, e esperou-se pela chegada do tio Duarte, e foi aliviado o mecanismo projectivo mais arcaico dos presentes, porque os egos dos comensais dispensavam agora defesas, tendo sido tacitamente aceite a reciprocidade das identidades similares e fraternas, o que fazia erguer uma barreira indestrutível entre o Self e o não-Self dos componentes desta família ideal
    -- Vai fritar os jaquinzinhos* Zalinha
    e era tudo o que faltava fazer, para que fossem servidos bem frescos e estaladiços, e as férias assim tinham outro gosto e a prima Rosália estava no ponto da sensualidade, cujo apelo erótico impregnava, com o seu impacto vital, visual, viral, demolidor, o coração dos jovens da Planura, na procura do desejo que (cor)responda ao seu desejo, no âmbito da relação com o outro e não porque as necessidades, meramente instintivas, devam ser satisfeitas, na incrustação do real puro e duro
    -- Esta-se tão bem aqui
    os objectos internos encontravam-se perfeitamente apaziguados e os externos contribuíam para o equilíbrio desta intermitência no contexto de maior perigo potencial na vida do seminarista, não sendo necessárias projecções compensadoras de recalcamentos frustrados, e o Self podia respirar tranquilidade e assunção plena, libertando o sujeito
    -- Já viste como a tua prima está linda?
    -- Sim está bonita
    Maurício parecia não reagir à veemência fetichista das formas proeminentes, apelativas, magnéticas de Rosália, à materialidade do seu corpo, a esse apelo ensurdecedor e enigmático da Natureza, à convergência genital, através da pulsão do desejo vivo e hesitante, (...)

Nota: * jaquinzinhos – carapauzinhos minúsculos

In “NÃO SEI SE DE MIM SABEREI ALGO”, 2020 – Romance de Manuel Bragança dos Santos (pág. 99).

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segunda-feira, 2 de março de 2020

ANSIEDADE E DESCRENÇA


     A propósito de um conteúdo fílmico de 2017, apresentado ontem (01 de Março de 2020), em horário tardio, pelo canal televisivo que a população do rectângulo financia coercivamente, diremos apenas que desligámos o receptor, não só profundamente decepcionados, mas também incontornavelmente incomodados. Perante algo tão sórdido, não conseguimos perceber de que serviço público fala o tal canal.

     O título da projecção aludia a “O Fim da Inocência” e apresentava um grupo de adolescentes, pertencente à classe abastada, em contexto do mais completo desnorte, vítimas do império dos sentidos, no âmbito da já estafada e degenerada triologia – sexo, drogas e rock`n`roll, tornada moda pela decadente sociedade do espectáculo, e, modernamente, a funcionar pela acção tenebrosa da omnipresente globalização.

     A globalização, ao contrário do que se possa pensar, significa isolamento multitudinário, porque anula a subjectitividade relacional de cada um; a globalização, por ser omnipresente, destrói também o tempo de estruturação e maturação dos corpos e das almas; a globalização, por se apresentar como a mensageira do pensamento único, impede a reflexibilidade e a consciência moral dos indivíduos, agora formatados pelo panegírico do colectivo.

     Cada vez mais, face ao descalabro social, político e económico do Ocidente, o fim da inocência voltou, porque não se aprendeu nada com os miseráveis factos ocorridos ao longo da Segunda Guerra Mundial; porque os governos escamoteiam deliberadamente o papel da Educação; o papel da família; a necessidade do Homem se transcender, já que não é um simples bicho que se rege tão-só pelos instintos.

     Vergadas sob o peso da ansiedade, as crianças são separadas prematuramente das mães, em nome do falso progresso, onde se confundem identidades, estatutos e papéis, com perdas regressivas e de dependência comportamental dos recém-nascidos, cada vez mais próximos do cão e do gato. As exigências laborais tornam as mães ainda mais ansiosas – omissas ou hiperprotectoras, remetendo os filhos para o fosso da carência emocional. A aversão, a fobia ou a inadaptação à escola vão fazendo escola.


     Está aberto, desde o berço, o caminho para a ansiedade neurótica na adolescência e na adultícia; está trabalhado o chão dos vários trantornos de personalidade psicotizada, marcados por inevitáveis surtos limítrofes de descrença pessoal, que a organização mental compensatória procurará suprir, de forma desviante e heterodoxa, como no enredo do deplorável filme a que (não) assistímos, em horário tardio, no canal oficial do rectângulo.

Nota: Sobre o mesmo filme, aceder à crónica:
https://maranduvaline.blogspot.com/2017/12/subsidios-para-debater-adolescencia.html

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

(...) SÓ TU NÃO DESCONHECES


Das razões que só tu não desconheces
                        diz uma que me possas revelar
                        aquela que te diz que já sem par
                        validas sem pesar todas as preces

                        Nas cisões mais sofridas enalteces
                        os ganhos passíveis de condensar
                        difusas perversões por regular
                        no lugar do tempo que já não teces

                        Olhar as andorinhas nos beirais
                        nos seus ninhos de barro conseguidos
                        é conceber desejos por demais

                        vivos nos mais gentis poemas lidos
                        na sensual música dos jograis
                        na procura dos laços já cerzidos

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domingo, 9 de fevereiro de 2020

ESCUTAR SEM QUERER


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                       Escutar sem querer o que me-ditas
                       nos ecos que me lanças na vontade
                       torna meus os nomes com que me fitas
                       na vil arquitectura da maldade

                       Tu não vês que me quebras com desditas
                       sem saber se dizer só da verdade
                       que cabe no desejo que suscitas
                       seria ver mentiras sem idade

                       Se controlar a mente que nos coube
                       já não cabe na nossa decisão
                       retira do fulgor de quem não soube

                       demitir-se do mito sem razão
                       pra seguir intenções de quem nos roube
                       o mais da mais oculta percepção

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