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É
certo e sabido que existe uma diferença abissal entre o mundo dos adultos e o
das crianças. Enquanto a criança começa por percepcionar por intuição, a
realidade dos pais e dos adultos, muito acima dela (estatuto e estatura
superiores, maior força física e autoridade, domínio linguístico consolidado,
entre outras coisas), a dificuldade de acompanhar as exigências dos grandes,
ainda que alguns destes consigam, de forma equilibrada, constituir modelos de
eleição a seguir, muitos dos pais e dos adultos na nossa sociedade ignoram por
completo o que é ser criança e as diversas fases do desenvolvimento pelas quais
os pequenos têm de passar.
Para se desenvolver, portanto, a
criança adopta formas de defesa face à complexa e intricada realidade dos mais
velhos, através da busca de um sentido para a sua vida; ela recorre ao jogo
simbólico, à imaginação e à imitação, fabricando sentimentos positivos,
desenvolvendo uma melhor racionalidade, cultivando a esperança no futuro,
contornando as adversidades. A criança, desta maneira, satisfaz o eu,
conformando a realidade aos seus desejos, deformando-a à sua propria
actividade; reedita a sua vida; recria prazeres e conflitos; resolve-se,
espantosamente, compensa-se e completa-se a partir da ficção.
O universo dos mais novos funciona
assim: é esta a sua verdade, embora não possuam a noção que o adulto atribui à
verdade ou à mentira. Eles jogam, imaginam e fantasiam, de forma espontânea.
Não mentem. Afirmam gratuitamente, deformam a realidade em função dos seus
interesses imediatos, desprezando a objectividade, porque isso lhes aporta
tranquilidade e paz interior. Não mentem. Fantasiam a verdade, mesmo sem se
darem conta. É que nesta fase das suas vidas têm de se confrontar com terríveis
problemas interiores, como arranjar soluções para as angústias prementes que os
assaltam constantemente.
Nesta fase da vida da criança, um
dos suportes mais eficazes e efectivos pode ser o da literatura infantil,
principalmente a tradicional, conforme advoga Bettelheim (1903-1990). É por
isso que a criança, “para enriquecer a sua vida, tem de estimular a sua
imaginação; desenvolver o seu intelecto e esclarecer as suas emoções; tem de
estar sintonizada com as suas angústias e as suas aspirações, reconhecendo as
dificuldades e adoptando soluções para os problemas que a perturbam”
(Bettelheim, 1975/76, p. 11).
Este excerto, que acabamos de citar,
integra a obra “Psicanálise dos Contos Infantis”; ao longo da mesma, Bruno
Bettelheim chama-nos a atenção para a importância dos contos tradicionais, pelo
suprimento de fantasia que comportam, e vai mais longe ao afirmar que este tipo
de literatura consegue impôr um magnífico crédito de corência no turbilhão dos
sentimentos infantis, redimensionando o espírito da criança no sentido concreto
das situações com sentido; apaziguando medos, resolvendo complexos, diluindo
angústias, através da mágica luminosidade que as várias situações dos contos
conseguem acender no ego nascente, reforçando o seu desenvolvimento, aliviando
tensões pré-conscientes ou inconscientes.
Um texto muito interessante, amigo. Houve um tempo em que me interessei muito por estes temas. Quando os meus filhos eram pequenos quis saber muitas destas coisas. Gostei da reflexão.
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.