segunda-feira, 20 de maio de 2019

A PAZ D`ALMA

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   A paz d´alma é uma espécie de sensação de apaziguamento espiritual, a que começaram por fazer referência elogiosa os filósofos (epicuristas, estóicos e cépticos). Epicuro (341-270 bC) afirmou mesmo ser esse o caminho da felicidade, desde que o indivíduo não fosse atormentado por desgostos, penas ou dores – ataraxia, palavra grega que significa ausência de perturbação. E Epicuro acrescenta não poder haver intermitências entre o equilíbrio da alma e do corpo, pelo que não recomenda apatias ou paixões, para que a liberdade seja possível.

   O céptico Pirro (360-270 bC) é de opinião de que sem a suspensão do juízo (nem negar, nem afirmar), a ataraxia não ocorre. Mas, com aquela evitam-se as preferências, as escolhas e as confrontações de ideias; separa-se o que depende de nós e o que nos é “imposto” de fora, como as paixões, sendo estas afecções ou alterações da alma, conforme Aristóteles (384-322 bC). Assim, através da racionalidade, livramo-nos das perturbações. Mais, ainda: a paz d`alma suplanta, moralmente, qualquer vivência empírica.

   Mas afinal, a que espécie de liberdade aludem estes filósofos?! Não estarão todos eles a fomentar, muito mais, o cinzentismo, a inércia, o comodismo, a neutralidade, e muito menos a liberdade em sede de respeito pela liberdade alheia? Ou será que a suspensão do juízo é pura reflexão e isenção?

   Evidentemente que, não deixando de ser uma abstracção, a liberdade hoje em dia tornou-se extremamente complexa e de difícil interpretação e usufruto, na sociedade (Ocidental) pautada pela Paramodernidade – séc. XXI (progresso disruptivo, redutor, distorcido, esquizo-paranóide onde ocorre um processo social autofágico delirante)*, e onde grassa a ganância dos mercados, a espectacularidade mórbida dos media, o pensamento global pré-formatado, o niilismo hedonista, o vazio existencial e a queda dos valores, a iliteracia, o consumismo obsessivo, compulsivo e fátuo, a corrupção e o esmagodor peso dos impostos.

   Bem, se calhar, a tão ansiada paz d`alma só será tangível, artificialmente, através da farmacologia e da toma de neurolépticos – ataraxia medicamentosa.


NOTA: Paramodernidade – séc. XXI* - esta designação conceptual é nossa. Pós-modernidade e hipermodernidade não potenciam, em termos linguísticos, o alcance referencial adequado.

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5 comentários:

  1. Um tema que merece uma profunda reflexão. Gostei muito!

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  2. Olá, Manel, eu, de novo!

    A imagem, que escolheu para encimar o seu texto é mesmo esta. Mulheres, que foram às compras, a abarrotar de sacos, que fazem bué barulho, mas com a alma em paz, enfim, são paz d' alma -rs.

    Fazer compras é uma verdadeira ataraxia (deve ser deste nome, que vem a nomenclatura do medicamento Atarax. Será)? Não há penas, que resistam às compras-rs!

    Não querendo entrar no "sumo" do texto, pke já esqueci muito do pensamento destes filósofos, digo-lhe que está mto bem escrito e explicado, ah, mas as Paixões fazem tão bem à Alma!

    A liberdade, atualmente, é o contrário de paz d' alma, acho eu. "Tá" tudo doido, todos varridos da mente e procuram a felicidade nos nadas. Pascal tinha razão.

    Beijos.

    PS: não há novidades no meu blogue. Provavelmente, só no fim de semana.

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    1. Apreciei imenso o seu texto. E tem razão, os medicamentos com acção psicoléptica e ansiolítica têm a designação de ataráxicos; daí o "atarax".
      Beijinhos.

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