sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A DEVASSA SOCIAL


   No nosso “Admirável mundo novo” (Aldous Huxley, 1932), repleto de inovações tecnológicas, de comodidades e facilidades, de automatismos e do pan-acontecimento-conhecimento-em-tempo-real, tudo estaria bem, já que o progresso é o progresso e, sendo assim, apresenta-se o mesmo como reforço, resposta e tónico, aparentemente compensador da ambição desmedida da espécie humana. Àquela, junta-se a territorialidade e a agressividade para, no seu conjunto, gerarem a artificial necessidade de acumulação irracional de bens e vantagens de todo o tipo.

   Nada disto se passava, claro, nas tribos virgens de caçadores-recolectores ainda existentes no globo nos primórdios do século (XX) passado (Malinowski, 1884-1942, cit por Reich, 1897-1957). Estas foram desmanteladas, exploradas e aniquiladas pelo braço “civilizador” europeu... embora a História se tenha vindo a repetir desde os alvores da humanidade. Contudo, nos dias que correm, a sofisticação e a sub-repção dos impérios emergentes tem vindo a ultrapassar todos os limites do inteligível e do suportável, visando o controlo, punição e exploração generalizada dos cidadãos e, mais do que isso, impondo os seus métodos às nações mais frágeis e economicamente dependentes.

   O preço a pagar pelo actual estado das coisas é elevadíssimo. Retendo que, na longa caminhada, já efectuada pelo Homem, entre a natureza e a sociedade, foi necessário interiorizar códigos de conduta mediadores dessa passagem, pautada por um conjunto de sistemas simbólicos, estes passaram de geração em geração, funcionando como facilitadores da integração social. Configuraram, então, a consciência moral do indivíduo e a sua representação dos interditos (o SuperEgo); o sujeito obstruído do desejo evitaria a transgressão dos limites (Freud, 1856-1939 e Lacan, 1901-1981).

   Mas falávamos do preço a pagar: o organismo e o cérebro humano não suportam tanta excitabilidade e pressão; tamanha coacção e exigências; tão aberrante contraciclo biofisiológico, e reage através do abaixamento do nível mental (Pierre Janet, 1859-1957), obnubilando o estado regulador e orientador da consciência, desfasando e desintegrando o sujeito da cultura. A ansiedade não só inibe o pensamento, mas, paralelamente, faz disparar o mesmo; transmite uma sensação de entorpecimento, de abulia, de vazio, de ausência do espaço e do tempo, de conturbação alienante. E isto, sem referir a escravidão a que nos quer sujeitar a dominação escópica, optimizada pelo panopticismo oculto que tem vindo a crescer de forma inexoravelmente galopante (Quinet, 2019). Voltaremos a este assunto!


Imagens (2) do Google




6 comentários:

  1. Essa imagem tem muito que se lhe diga


    Beijinhos e um sábado muito feliz.
    danielasilva-oficial.blogspot.com/

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  2. Sabendo usar a tecnologia é uma ferramenta facilitadora diante desse mundo cada vez mais competitivo não podemos demoniza-la e nem ficar de fora.
    Bom domingo e uma boa semana.

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  3. Prezado Humberto, teu texto é espetacular! Parabéns! Chega à aparência de um pequeno tratado sobre a moderna tecnologia e meios de comunicação sobre o humano ser, que já parecem não ser mais uma extensão do homem, mas o homem, uma extensão delas. Estamos vendo tanta dependência que nos estamos tornando cativos a esses meios. É informação demais e um devassamento pleno - estão nos vendo nus! Eu não tenho fecebook, apenas uma página literária administrada por outro. O face, devassa a vida de todos... O teu texto é um Raio-X à mesa da situação social global na atualidade. Parabéns, amigo! Abraço fraterno! Laerte.

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  4. Como você sempre faz, meu Amigo, o seu texto vem ao encontro daquilo que é motivo de reflexão nestes tempos que correm. As novas tecnologias, que são auxiliares valiosos para tantas profissões tornaram-se ao mesmo tempo uma devassa da vida de cada um. E não há como parar isso. É sempre um gosto lê-lo.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  5. Um texto muito interessante... Se a tecnologia ajuda, por outro lado, pode tornar a vida num inferno.... Vi um video interessante e que demonstra isso. Uma rapariga saí do trabalho, entra num elevador e todos estão a olhar para o telemóvel, no autocarro a mesma coisa e quando entra no prédio onde vive, ninguém a cumprimenta. Porque está toda a gente concentrada no telemóvel. Por isso, ela resolve trazer a mesa para o corredor e fica à espera que alguém apareça. E, pouco a pouco, os vizinhos aparecem e acabam todos por jantar naquele corredor e partilhar a comida, a bebida e a vida. Porque alguém disse " Basta".
    Obrigada pela partilha.
    Beijos e abraços
    Marta

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  6. Humberto, eu li esse teu belo texto e estava ciente que tinha comentado, o que se dá é que eu leio e não comento de primeira, volto para uma segunda leitura. Fico com o texto um pouco na cabeça.
    Bem, não há dúvida que a tecnologia veio para ajudar, um avanço maravilhoso, útil ao extremo, não se faz nada mais nesse mundo sem a tecnologia informatizada. Porém, ela expandiu-se para redes sociais, tomou um vulto que jamais imaginaríamos. E milhões viciaram-se em passar sua vida para os outros, desde o que come até detalhes outros. Não se vive sem o Smartphone ligado o dia inteiro para ver o que o outro diz sobre qualquer coisa irrelevante. Penso eu que a sociedade global está doente, e muito. As redes sociais (que não tenho) é uma coisa que jamais pensei que um dia fosse existir. Nossos dados estão todos no Google. Cada site que entramos, nossos dados estão lá, fica o rastro que é repassado para sites de vendas, por isso que recebemos tantos spans.
    Ótimo teu enfoque, perfeito. Aplausos, amigo!
    bjs

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