segunda-feira, 14 de outubro de 2019

DESORDENS E DISFUNÇÕES DA LIBIDO


    Ao contrário dos restantes mamíferos, que se regem pela intermitência cíclica da fixação dos instintos (cio), para assegurar a perpetuação das espécies, no ser humano o instinto é fixo, mas continuado. Contudo, como a humanidade acedeu à cultura (simbólico) e se rege pelas interdições que a mesma impõe, o instinto é latente e é polarizado pela pulsão do desejo, sempre vivo mas errático e hesitante. Este é captado pelo imaginário-simbólico-inconsciente de cada um, pelo que, em sede de conjugalidade, se manifesta de forma muito pessoal e especificamente caracterológica.

    Para uma melhor percepção destas singularidades, vamos comparar o instinto à âncora dum veleiro (pessoa), e o desejo às velas do mesmo; o imaginário-simbólico-inconsciente seria aqui representado pelos caprichos do vento, das correntes e marés. Nesta conformidade, vamos aceitar os desvios da sexualidade simplista, situando-os no campo-largo dos preliminares que preparam a ritualidade corporal e afectivo-emocional e apontam para o objectivo final do(s) orgasmo(s) de ambos os cônjuges, em contexto de convergência sexual-mútua-relacional-dual. Excluiremos, porém, a obstinação mórbida e fixa dos comportamentos sexuais lesivos do carácter, da sensibilidade, da liberdade e da integridade física e moral dos parceiros. Esta patologia tem o nome de perversão – desejo tsunâmico.

    Este tipo de desordens inconscientes, portanto, não levam os doentes a procurar ajuda clínica, ainda que o cônjuge se queixe, proteste, reclame ou mendigue uma alteração de comportamentos, pois nada se passa, afinal, sendo a culpa sempre do(a) outro(a). Também acontece – raramente – que estes desejos mórbidos possam ser esforçadamente reprimidos, para explodirem por desinibição alcoólica, por desequilíbrio esquizóide ou por pressão demencial. Em termos sociais, estes transtornos podem comprometer a liberdade e segurança dos cidadãos.

   Nestes casos, o sistema de saúde e o sistema de justiça devem avaliar a impudência perpetrada sobre as pessoas e decidir da inimputabilidade ou não do autor dos desmandos; pelo internamento periódico deste e pela sua cooperação, se se verificar a obsessão compulsiva dos seus actos; finalmente, e em resultado desta parceria, deve ser possível a aplicação de uma sentença ponderada e proporcional ao enquadramento clínico e jurídico dos factos ocorridos.

    Sempre que não está em causa o coito propriamente dito, pode verificar-se o delírio objectal, o fetichismo, a bestialidade (zoofilia), a distorção do objectivo (voyeurismo escopófilo, exibicionismo, travestismo, sado-masoquismo, etc.), que têm sido considerados como sendo regressões desviantes da maturação sexual-afectivo-emocional, devido a traumas ocorridos na 1.ª infância. Aqui, a transgeracionalidade, à qual se juntam papéis parentais disruptivos ou inoperantes, bem como o processo identitário torpedeado podem estar na origem destes desvios ou perversões, conforme a sua dinâmica e intensidade.

    Por último, as disfunções que advêm da ansiedade profunda e continuada ou da culpabilidade que radica no pavor de vir a falhar no protagonismo do acto conjugal, traduzem-se, por exemplo, na dispareunia (coito doloroso), na frigidez, na ejaculação precoce ou mesmo na mais redutora impotência. Tudo pode ter solução, embora seja mais simples tratar os problemas considerados mais leves (?!) do que os que têm origem psicológica profunda e que se enredam em complexos traumáticos inconscientes.
Imagem do Google



8 comentários:

  1. Caro amigo, Muito mais do que um post, um tratado sobre a sexualidade. Escrito por quem domina o assunto,nas várias vertentes, psicológica, física, comportamental. O sexo aos 80 anos e aos 20 não deixa do ser. Mais preliminares ou só preliminares, o importante é que faça bem a quem dá e quem recebe, se possível ouvindo música celestial. Um abraço
    Enviado

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  2. Bastante esclarecedor amigo Humberto

    beijinhos | danielasilvaoficial.blogspot.pt

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  3. Obrigada pelo fantástico texto :))

    Hoje :-Iludem-se os meus pensamentos.

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta - Feira

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  4. Passando para atualizar minha leitura nos blogs, muito bom o seu texto, deixo meu abraçO!

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  5. Você trouxe um texto ótimo, bem técnico e sobre o ponto de vista psicanalítico. Ótima postagem, Humberto!
    Uma ótima semana, ainda que a metade.
    Beijo.

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  6. Um mundo bem complexo,
    Ainda que a abordagem do seu texto seja clara e objectiva.
    Gostei de ler, obrigado pela partilha de tão profundo conhecimento.
    Caro Humberto, um bom fim de semana.
    Abraço.

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  7. Querido Zé
    Belo artigo, que denota bem o quanto pesquisas para tentar, não só informar mas também alertar quem te lê.
    Obrigada.
    Um beijinho
    Mana

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  8. Um texto lúcido sobre alguns problemas que a sexualidade apresenta. Nem todos são resolvidos pelos que passam por dificuldades nesse ponto. A natureza humana é dada a complicar os comportamentos. Você conhece bem o que partilha aqui.
    Eu penso que o melhor e único estimulante para o desejo e para o sexo continua a ser o amor…
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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