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O que se passa nos nossos dias,
com a cultura de uma lógica mediática non-stop,
principalmente na televisão e na rádio, tem acendido a
ideia de que o jornalismo merece o seu espaço próprio,
não sendo aconselhável, portanto, confundir comunicação
com informação. Relativamente a esta dicotomia, e tendo
em conta a destrinça para a qual aponta Watzlawick, citado por
Mesquita (2004: 85), a comunicação interpessoal
desdobra-se em relação-comunicação e em
conteúdo-informação. Por seu lado, Bougnoux,
também citado por Mesquita (2004: 85), chama a atenção
para o facto deste tipo de relação-comunicação,
tornar mais rica a mensagem informativa, mas nunca cedendo à
tentação de um tipo de envolvimento que faça
perigar a ética profissional e a deontologia jornalística,
o que levaria sempre à mistificação da mais
correcta leitura do real, cujo pano de fundo se desdobra ao olhar de
quem o observa de forma atenta, para poder informar devidamente.
Mas,
voltando à ideia geral que titula esta parte do presente
trabalho – A Non-Real Reality, e depois de ter lido (Eduardo Paz
Barroso, 2008: 195), no texto “A opinião publicada existe”,
algo mais se me oferece dizer, nomeadamente, para além do
título da obra - “A Locomotiva dos Sonhos”, que encerra,
este, uma grande força, simbolicamente expressiva e
conceptualmente pujante, diria mesmo, abrangentemente poética.
O autor leva-nos, através de uma escrita desassombrada, a
concluir que existe apenas a opinião publicada, em detrimento
da opinião pública, em nome da cada vez maior
influência, exercida sobre a vida social, pelos grandes meios
de comunicação, que, são afinal respeitados,
porque se movimentam nos meandros do poder, ao que parece, com grande
àvontade, iludindo e substituindo a opinião pública,
apresentando manifestações individuais e avulsas,
enquanto reflexo de uma moral dominante legitimada por sentimentos
colectivos, adulterando, afinal, o real tal e qual o mesmo se
apresenta.
Fica, nesta medida, comprometido o
discurso jornalístico, enquanto “mediação
desinteressada do real” e, digo eu, referindo o atrás citado
Bougnoux, não se verifica o devido afastamento e a cuidada
análise que deve acautelar a visão neutral dos
acontecimentos. E Paz Barroso (2008: 196) prossegue, afirmando que
assim “os interesses do público se confundem com o interesse
público”, uma vez que, o real não existe nem é
reconhecido, se não for mediatizado.
Fazendo alusão ao sociólogo
francês Bourdieu e a um artigo seu publicado na revista Les
Temps Modernes, em Janeiro de 1973, Paz Barroso (2008: 196, 197)
refere “a substituição no plano simbólico, da
opinião pública por outras formas de opinião”.
Fala depois na utilização jornalística de
sondagens que partem do pressuposto de que existe consenso, a partir
da questão colocada, como se não existissem outro tipo
de problemáticas de real importância, para além
daquela. É que, quanto maior for a desagregação
social das massas, resultante da ausência de coesão por
instinto, maior se torna a necessidade de serem e de se sentirem
estimuladas por “interesses e motivações
publicitárias”.
E recordo aqui a mobilização
geral, extensiva às grandes massas populares, operada pela
comunicação social no dia 25 de Abril de 1974 e
seguintes e, do mesmo modo, a participação massiva do
povo português, do Minho ao Algarve e Ilhas, numa mobilização
do género, eivada de emocionalidade, aquando dos
acontecimentos trágicos, vividos em Timor Leste, e que viriam
a abrir caminho à Liberdade e à Independência
daquela mortificada ilha. Como escreveu Carlos T. sobre Timor, para
Rui Veloso musicar, “longe da vista, perto do coração”;
no caso da Revolução dos Cravos, foi à vista de
todos, mesmo no coração, apetece-me dizer. Mutatis
mutandis, as grandes causas a gerar grandes consensos, a reforçar
a cidadania, a instaurar o culto da liberdade, ainda assim, num clima
mediatizado de coesão emocionalmente estimulada, mas, em ambos
os casos, num cadinho social onde passa a fervilhar, por ignição,
a coesão por instinto.
Estes exemplos, no entanto,
constituem uma espécie de contraponto à linha de
raciocínio seguida por Paz Barroso, quando o autor refere a
demagogia dos media na busca de opiniões isoladas que o
público confere, e que são aproveitadas apenas por
aqueles para efeitos meramente decorativos, sem carácter
social nem cívico, mas antes caricatural, como se de um
reality show se tratasse.
Seguidamente, citando Eduardo
Lourenço, o autor de A Locomotiva dos Sonhos, a propósito
da forma como os “media convertidos em opinião pública”,
se servem dos públicos, gerando audiências, recorda o já
velhinho (Grécia antiga) ingrediente da demagogia, cujo
sucesso se explica pela extraordinária convergência do
interlocutor, ou seja, dito por outras palavras, as massas
colocam-se, de forma decidida e definitiva, a jeito para que tal se
concretize. Desta maneira “o rebanho das audiências”, vai
ruminando no descalabro do entretenimento, que ele próprio
busca, na desconstrução da democracia, enquanto sistema
que vai conferindo legitimidade à forma como a opinião
pública vai perdendo vitalidade e acção.
Esta quebra de posição,
este esmorecimento, por parte da opinião pública,
desvirtua a própria democracia, como referi atrás,
fomentando, ao mesmo tempo, a assunção de novas formas
de poder exercido sobre as massas, nomeadamente pela televisão,
na senda da qual segue a imprensa escrita, como é o exemplo da
pag. 30, do Jornal de Notícias, de 11 de Dezembro de 2010, num
enquadramento de adormecimento generalizado que debilita a capacidade
de reacção crítica face a esta realidade
desfocada, porque mais não é do que uma non-real
reality.
A este respeito foi paradigmático
o caso da transmissão televisiva do programa Big Brother (ano
2000), e da Secret Story-Casa dos Segredos (2010), denominado este
último, pela Contra-Informação (RTP1), pelo
curioso título de Casa dos Secretos de Porco Preto... se
calhar, enquanto divertida alusão a uma espécie de
delicioso, mas indigesto pitéu de enfarta brutos, para
utilizar aqui uma linguagem mais ao gosto das massas, porque a elas
se lhes dirige.
A propósito do programa
iniciado no ano 2000 – Big Brother, Paz Barroso recorda a visão
de Pacheco Pereira, quando este evoca o célebre livro de
George Orwell, intitulado 1984, e rotula o paralelismo constatado
entre ambos de “metáfora do poder”. Fica a perder a
democracia, por via da fragilidade dos media, em nome da ditadura do
lucro.
Importa agora deixar claro a razão
pela qual me inclinei a designar esta parte do trabalho por non-real
reality, quando por todos é conhecida por “novela da vida
real”. É sabido que uma novela é um enredo curto e
simples, mais narrativo que descritivo, repleto de episódios
dramáticos, mexericos e intrigas, que surge da cabeça e
da mão do seu autor. Já a dita “novela da vida real”
tem a sua origem a partir do protagonismo e interacção
dos vários participantes, previamente encarcerados numa casa,
ao longo de pouco mais de três meses, permanentemente
observados pelas câmaras televisivas, que a “produção”
comanda a seu bel-prazer, numa demonstração de poder
supremo, e, como nota Pacheco Pereira, este poder controla também
as audiências, reféns da casa, porque, como adianta Paz
Barroso (2008: 201), “o sujeito já não controla a sua
própria diversão”.
Voltando ao conceito non-real
reality, direi que, tendo em conta a situação
circunstancial de lugar onde se desenrola a acção, e à
luz das mais elementares normas da psicologia, a realidade com a qual
nos confrontamos assume uma dimensão manifestamente não-real,
em virtude de estarmos perante um contexto forjado e forçado,
logo absolutamente artificial, o que lhe confere um carácter,
muito mais embotado do que airoso, muito mais amorfo do que enérgico,
ou seja, muito mais vegetativo do que vivencial. Numa palavra,
doentio. Estamos perante a negação da própria
realidade, que os media artificializam, através da opinião
publicada, para a qual nos adverte Paz Barroso (2008:202), concluindo
provisoriamente que a mesma “existe e faz escola, mesmo que não
tenha muitos discípulos”.
INÊS SANTOS